terça-feira, 31 de agosto de 2010

Documentos sobre índios



Estava eu exercendo o meu ofício de historiadora e eis que surgiu diante de mim um documento singular sobre os povos indígenas do Planalto da Conquista. O registro é datado de 1936 o que contrapõe diretamente as narrativas de que os índios dessa região ou foram exterminados ou foram todos aldeados e depois se tornaram mestiços desaparecendo entre a população civil. Pois bem eis que os documentos voltam a dar provas de que essa região é uma das últimas na Bahia, quiçá a última a ter índios ainda habitando as selvas.
De acordo com minha orientadora do mestrado, essa carta ajudou uma índia a encontrar a mãe que na ocasião era uma das crianças mencionadas...
Vamos ao registro.

OS ÍNDIOS CAMACÃS NA SERRA DO COURO D’ANTA (serra localizada na região da atual cidade de Itapetinga)

“ ontem aqui cheguei trazendo de minha fazenda Itaporanga (Zona da Serra Couro D’anta), nove índios Camacans, só que consegui atrahir por meios amistosos, quando se aproximaram de uma roça de meu irmão Agrippino Dutra, no 4 do corrente mez.
Appareceram 10, sendo 4 homens, 3 mulheres e 3 creanças, dos quaes existia um bastante doente e que veio a fallecer no dia 10 deste e que se chamava Ramicoy ou Ramicou.
Os nove que eu trouxe para minha fazenda Liberdade e ontem para aqui chamam-se (os três homens) Cocaes, Nocay e Itay; as mulheres: Uqueluqú, Morrtcoy, e Tirimanim, esta última, é mulher do chefe (Cocaes), e as três meninas: Tiarrv, Copté e Paraguassú. São tipo baixo, cor bronzeada, franzinos, isto é não são museulosos; armados de arco e frecha; essas de três espécies, como sejam: Motó, preaca e choupa ou lança. Estavam todos despidos, e conduziam três cães de caça os quaes acodem pelos nomes de: Copy, Nay e Tucnay e mais, um macaquinho novo e 2 quatisinhos também novos. Typo amável, porém desconfiados, risonhos.
O seu idioma ou o dialecto, nada tem do tupy ou Guarany, a não ser o nome de uma creança (Paraguassú)cujo nome fora dado no Posto Indígena do Colônia, onde em certa ocasião eu passei por lá, encontrei o tal chefe Cocaes. Do dialecto por eles falado, apenas pude colher resumido número de vocábulos, como sejam: Tupá: deos, Querrem: trovão, Tabou: chuva, Itarram: fogo, Inarram: água, Borroy, arco ou frecha, Topá: carne, Bagajnam: galinha, Urrah: pato, Mocurrá: cabeça, Catinancon: homem, Catinancon Sapucay: homem preto, ou simplesmente Nanconsapucay.Bechtió: mulher, Orroy: mandioca, Itamanin: farinha, Querrem: porco ou leitão, Emon: irmão, jaboty ou kágado é Uoy. Rapcorroy: dança ou dançar, Motto ou mata (floresta): Ramanin. Doente ou doença: Ramican,casa: Barricou.
É só o que tenho conseguido compreender até hoje.
Estão satisfeito commigo, porque os tenho tratado bem. Dando-lhes o que comer, tendo vestido a todos. Hontem a noite os levei ao ensaio carnavalesco, de que elles gostaram bastante. De falha hoje aqui, voltarei com eles para a minha fazenda e dalli os mandarei levar ao Posto Indígena.”

A foto mostrada são de esculturas de Botocudos retratados na cerâmica pelo artista e descendente indígena Gilvandro.

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