domingo, 17 de novembro de 2013

Se eu soubesse desenhar



Desenharia os traços de uma face iluminada pela luz da lua em uma noite primaveril....
Capturaria nas minhas telas, o cintilar de um mundo existente entre olhos e bocas...
Desenharia uma alcova primitiva habitada por uma fera que quando beijada, tornava-se ainda mais mística!
Se eu soubesse desenhar...
Construiria com meus lápis em muitas cores
Aquelas montanhas feitas a partir de teus dedos
Quando deslizam sobre o que é encantado...
Quando tocam a harpa dos anjos e rouba os símbolos secretos...
Se eu fosse Leonardo Da Vinci, Van Gogh ou Renoir,
Desenharia o teu nome nas telas da eternidade...
Pintaria o teu rosto com o sangue de um coração que te ama desde a época dos deuses antigos...
Se eu soubesse desenhar...
Dar-te-ia a forma dos meus sonhos
Em meio à penumbra de uma habitação estranha
Cuja luz que resplandece é a de teus olhos em meio ao luar
Guiando os cegos do fundo da noite...
Se eu soubesse desenhar...
Desenharia uma poesia que ganharia vida com o sol
E cantaria para ti as verdadeiras histórias da humanidade...
Até o fim dos rabiscos da vida
Desenhadas aqui com um lápis sem borracha....

Se eu soubesse desenhar....

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Mosaico




Pedacinhos de gente
espalhados por esta sala
café, livros e muitos pensamentos
veem na direção dos meus olhos...
sinto-me compondo a sinfonia da vida
em cada pedacinho deixado por onde andei...
Não desejo juntá-los,
para nunca descobrir o que fui
ou o que vou ser...
Pedacinhos de gente em mim...
regados pelos pingos de chuva
ou de suor...
Pedacinhos perdidos por aí
que poderão compor o mosaico
para ornamentar a casa que habita o amor...

Reflexos






Reflexos...

de um mundo oculto
habitado pelo sol
inspirado nos raios de sorrisos humanos...
espelhos reais...
encantados no meu quarto
quando traduzem o que sou
ou finjo ser!
Reflexos de mim...
de ti...
de pessoas nuas...
desprovidas de si
quando renovam suas imagens
para mirarem-se belas
e buscar seus falsos semblantes
encobertos pelas meias verdades...
ditas nos reflexos...
reflexos de mim...
de tempos idos...
daquelas pedras
ao comporem as ladeiras
que emolduram a minha alma...
reflexos...
eu não sei o que dizem agora!!!


domingo, 10 de novembro de 2013

O Corvo

Uma homenagem a quem tanto me inspira...





      O CORVO
      (de Edgar Allan Poe)


    Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
    Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
    E já quase adormecia, ouvi o que parecia
    O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
    "Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.


    É só isto, e nada mais."

    Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
    E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
    Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
    P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
    Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
    Mas sem nome aqui jamais!

    Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
    Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
    Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
    "É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
    Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
    É só isto, e nada mais".

    E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
    "Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
    Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
    Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
    Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
    Noite, noite e nada mais.

    A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
    Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
    Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
    E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
    Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
    Isso só e nada mais.

    Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
    Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
    "Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
    Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
    Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
    "É o vento, e nada mais."

    Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
    Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
    Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
    Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
    Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
    Foi, pousou, e nada mais.

    E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
    Com o solene decoro de seus ares rituais.
    "Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
    Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
    Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
    Disse o corvo, "Nunca mais".

    Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
    Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
    Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
    Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
    Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
    Com o nome "Nunca mais".

    Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
    Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
    Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
    Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
    Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
    Disse o corvo, "Nunca mais".

    A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
    "Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
    Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
    Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
    E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
    Era este "Nunca mais".

    Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
    Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
    E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
    Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
    Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
    Com aquele "Nunca mais".

    Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
    À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
    Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
    No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
    Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
    Reclinar-se-á nunca mais!

    Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
    Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
    "Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
    O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
    O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
    Disse o corvo, "Nunca mais".

    "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
    Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
    A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
    A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
    Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
    Disse o corvo, "Nunca mais".

    "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
    Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
    Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
    Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
    Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
    Disse o corvo, "Nunca mais".

    "Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
    Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
    Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
    Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
    Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
    Disse o corvo, "Nunca mais".

    E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
    No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
    Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
    E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
    Libertar-se-á... nunca mais!

    Fernando Pessoa
    Traduzido de The Raven, de Edgard Allan Poe, ritmicamente conforme com o original.

Sonhos...



Depois daqueles tempos de festa, chorando e cantando eu vi o anoitecer...
Sentada num banco de bar ouvia apenas os ecos do vento em meio à escuridão que me rodeava...
Encima, suspenso no ar rarefeito, havia um vulto que habitava profundamente abaixo da luz...
Ele veio à terra de forma sombria, apenas para me oferecer de sua bebida, de seu mundo...
Aquela era uma noite de inverno...
e eu, apenas uma menina a vagar...
Os olhos da noite traziam medo, era a face de um mal amado...
Meu espírito gritava, mas eu não podia escapar...
Naquele instante, ao beber daquele vulto, 
Eu me lembrei que possuo mais lembranças do que se tivesse mil anos...
Estava presa àqueles olhos,
Olhos com ar de insanidade que se dedicavam a me decifrar a alma....
Por um instante lembrei-me que ninguém me ensinou nada sobre a terra...
Eu nada sabia, a não ser que aquele encontro era o meu credo...
Algo se agitava sobre mim...
Os estranhos que passavam na rua riam das marcas que eu trazia no rosto,
E eu só enxergava o cemitério ao lado...
E as mãos que me conduziam até ele,
E a voz que dizia: “eu sou você e tudo o que vejo sou eu”.
Uma noite cheia de assombros...
 Restava um cristão piedoso,
Que enterrava sob os escombros das tumbas, as suas tristezas...
Mas ao meu lado, o frio da noite me presenteava com uma rosa encharcada de sangue...
Uivos de lobos solitários acompanhavam-nos,
Feiticeiros famintos festejavam-nos...
Nunca senti tanto medo, nem mesmo quando tive um punhal cravado no peito!
E foi com uma punhalada que aquela noite invadiu o meu coração triste...
E do meu espírito humilhado o frio fez-se descendente...
Implorei às sombras que me dessem liberdade...
Mas não! Era um punhal envenenado
E ninguém poderia me livrar,
Pois livre, o meu beijo ressuscitaria o cadáver de meu próprio vampiro!
Somente ele poderia me conduzir...
E ninguém fecharia os meus olhos...
E ninguém comigo falaria...
E eu nada poderia ver ao redor da lua...
E eu passei a implorar a sua presença
Até dormir e descobrir que tudo era sonho...
Sonhos...
Até acordar e ao meu lado encontrar
Uma rosa encharcada de sangue!




domingo, 3 de novembro de 2013

Partida





Eu ouvi um acorde secreto nos céus
Tocado por um anjo...
Na terra, o rei confuso compõe hinos a sua divindade....
Um salmo soa nas montanhas...
E eu grito alto ao vento....
Que preciso ver a beleza da sua existência...
Os meus sonhos quebraram o meu trono.
E vi iluminada a solidão...
Talvez eu já estivesse aqui antes...
Eu costumava andar por aí, sem destino.....
Nos caminhos percorridos, descobri que
O amor não é uma certeza de vitória,
Mas uma fria partida que cantamos solitários
E que de tão belo, desperta os que dormem...
Tem coisas que eu não sei mais...
Talvez os anjos toquem o meu coração....
Mas o que eu sei do amor:
É o choro que você não pode ouvir esta noite....
Que ninguém pode por não ter luz
É o frio sabor da partida...

sábado, 2 de novembro de 2013

A beleza de ser




Manhã

Acordei ao som das asas das borboletas brincando na minha janela...
Abri os olhos e senti vontade de beber o vinho da vida...
E cantar para o crescimento do dia que amanhecia...
O som do borboletear diante dos meus olhos,
Era a pronúncia do seu nome
Que pela primeira vez eu ouvia junto às harpas dos anjos
A cantar e tocar todas as aleluias!!!
Seu nome tem letras que formam as águas do rio corrente
Em minhas veias...
E é nesse rio que irei navegar até o anoitecer...

Tarde

Na floresta eu vi espinhos, flores, cores, pedras, cantos e desejos...
Eu quis cantar, junto aos pássaros, ao sol, aos céus...
Tive medo...
Meu canto poderia atormentar o que dorme na escuridão do dia
E abrir o caminho sangrento até aquele que me dava as mãos...
Então um baile perfumado com as notas da natureza surgiu diante dos meus olhos...
Gente, folhas e flores dançavam sem medo...
Abri os meus olhos como as folhagens que caiam também do céu...
E vi um espírito iluminando a tarde
Espírito denso e profundo como são os abismos
A atrair poetas e amantes...
E tudo em mim ardeu como os pecados na inquisição...
Ali, pedi ao tempo que me deixasse ver as cerejeiras
Que nasciam de um encantamento...
Eu vi que tudo era vazio e pobre em mim
Tudo era de todos e de ninguém
Até que aquele instante me preencheu de dádivas
E coloriram o meu outono...

Noite

Era saboroso o silêncio que vinha do mar...
Encharcada de desejos era a luz da lua...
Dos astros que estavam diante de mim,
Escolhi senão aquele predestinado,
Desde então, meu jazigo tem sido o reencontro
Todas as gotas daquele mar me ferem
Todas as pedras daquele canto me cobrem...
Todos os raios de luzes, as vozes e os passos dos que lá estavam me visitam
Atormentam-me até que eu diga
Que quis todos os seus dons...
E o seu coração selvagem...
Tortura essa travessia noturna...
Com medo agarro-me àquela garrafa
Que na sua missão levava mensagens aos perdidos....
Por isso pedi à lua
Que tocasse a valsa escura para que os barcos dançassem
Junto às ondas do mar
Assustando os viageiros sem destino...
Ali, eu tive um desejo:
Que ninguém mais dormisse com os meus sonhos...
Nem repousasse à minha sombra...
Pois eu só queria seguir aquelas águas que me lavavam a alma...
E que me levavam para a noite, para o mundo, para o vento cujo destino
É o sonho de não ser sem ti
De ser seu sono profundo...
Volto, deito e acordo ao som de asas de borboletas...